quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma.Mas não devia.A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.A gente se acostuma para poupar a vida.Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti

Só pq eu acho esse texto perfeito *-*

domingo, 4 de outubro de 2009

Material Humano


Há pouco tempo atrás, eu cheguei a uma conclusão. A madrugada e a manhã me fazem refletir,
à tarde e a noite não. Deve haver alguma ligação, por qual motivo os horários AM me fazem refletir e os PM não. Mas não é sobre isso que eu quero falar...
Acordo naquele dilema “Ninguém me ama ninguém me quer”, coisas de um mundo injusto, cabelo desajeitado, 0º janela a fora, um dia predestinado a dar errado...
Sabe o que eu mais gosto no mundo?O que faz dos meus dias mais coloridinhos?Esquenta meus dias frios e faz do meu mundo mais legal? Pessoas!
É incrível o poder que as pessoas têm, às vezes um simples bilhetinho no pára-brisa do carro pode mudar tudo. Ou um simples toquinho no celular.
Claro, que assim como as pessoas podem animar um dia triste, elas podem destruir um com a mesma facilidade. Uma vez eu li um texto do Antônio Prata, que ele falava exatamente sobre isso, Material humano, ele discutiu uma questão que eu sempre concordei.
Quando uma pessoa é muito boa, dizem que ela é muito humana, e como eu bem disse nos parágrafos acima ser humano é ter uma capacidade incrível de agir em prol do bem e do mal, então quando se diz que uma pessoa é humana atribui a ela todas as características que o ser humano e capaz de ter.
Ser humano é ser capaz do melhor ao pior que nós possamos fazer, e é por isso que pode ser muito difícil conviver com pessoas, é como conviver com outro mundo, mas é exatamente aí a parte que mais me fascina.
Posso acordar e tocar o terror, ou posso encher o mundo de amor?Fazemos esse tipo de escolha todos os dias, e assim podemos dar luz a vida de alguém, ou empurrá-las para a escuridão. O melhor e o pior de nós andam de mãos dadas!